"Despedir-se de um amor é despedir-se de si mesmo.
É o arremate de uma história que terminou,
externamente, sem nossa concordância,
mas que precisa também sair de dentro da gente…
E só então a gente poderá amar, de novo."
[Martha Medeiros]
Acordei mais uma vez sem você. Havia um espaço enorme do seu lado da cama onde tudo estava do modo que você havia deixado. Eu não arrumava o quarto ou fazia a cama há semanas para manter a lembrança de como estava antes de você partir.
O travesseiro ainda trazia seu cheiro quase esgotado, fraco e mesmo assim eu me segurava a ele como se você uma prova que era real.
Minha primeira ação ao abrir os olhos naquela manhã e perceber que eu não havia sonhado com tudo aquilo foi chorar, chorei, chorei. E quando não tinha mais lágrimas me sentei ao pé da cama para recordar as coisas boas que vivemos ali, todos os abraços, os beijos, as palavras mais lindas que foram ditas, logicamente não consegui evitar pensar nas coisas ruins que haviam acontecido ali, foram tantas brigas e discussões! E assim eu senti raiva, ainda com o travesseiro em minhas mãos eu bati nele, soquei, mordi, pisei e ri.
Quando percebi que havia desejado apenas por alguns segundos que eu queria que fosse você naquele instante voltei a chorar e a pedir desculpas, abracei o travesseiro, beijei e disse que não faria novamente. Mas fiz! Você realmente não estava mais ali, então bati, soquei,mordi, pisei em cima e ri imaginando sua expressão. Voltei a chorar e decidi que algo teria de ser feito.
Colocar um ponto final nisso, em sua vida eu já não fazia parte do presente, agora eu era um passado mal resolvido e suas páginas do livro não teriam mais meu nome. Eu precisava de algo que me libertasse dessa rotina viciante de te querer a qualquer instante!
Saí do quarto bagunçado direto para o banheiro lavei o rosto e continuei chorando, insisti e lavei novamente até que eu resolvesse me controlar totalmente, entrei no quarto para trocar de roupa e passei os olhos nas peças que você mais gostava, retirei todas e joguei no fundo uma gaveta qualquer, vesti o mais básico possível: um jeans velho e uma regata branca, fui até a dispensa onde ficavam algumas caixas para compras e peguei a maior que tinha. Você já tinha retirado suas roupas e acessórios, alguns de seus livros que estavam comigo, mas mesmo assim ainda haviam outras várias coisas que me lembravam você. E foi isso que fiz esvaziei a casa, devolvi os livros que você havia me dado em ocasiões diferentes e todos com dedicatórias lindas, coloquei os cartões de aniversário, natal e dia dos namorados sem nem ao menos ler o conteúdo uma última vez, o travesseiro todo amassado que eu tanto bati também foi posto na caixa junto com as alianças e com o meu coração!
Eu pensei a primeiro momento em escrever uma carta dizendo adeus, mas depois de tanto sofrimento eu precisava fazer pessoalmente!
Me arrumei com a melhor roupa que tinha, gastei horas para esconder os olhos inchados de chorar e sai levando a caixa e um saco de roupas minhas que eu não queria mais usar porque você as adorava. Joguei o saco ao lixo e segui para o seu novo endereço. Bati na porta e uma mulher loira, linda, de olhos verdes vestida com uma camisa sua abriu a porta exibindo as belas pernas onde a camisa não cobria mais. Sua expressão de surpresa foi terrível! Por um acaso inconveniente eu a conhecia. Era Minha melhor amiga! Ou melhor, foi minha melhor amiga. Nós havíamos nos falado já tinha um tempo e ela sempre estava ocupada nesses últimos dias! É claro que ela estava ocupada.
Ficamos em silencio por alguns segundos quando eu esbocei um sorriso falso na face e entreguei a caixa, já estava determinada a ir embora quando ouvi sua voz ao fundo vindo a até porta sem a camisa, você estava lindo como sempre, tinha realmente o talento de acordar mais belo do que era. Meu coração saltou mais ainda ao imaginar que a minha melhor amiga ocupava meu espaço na nova cama e que ele agora era dela e não meu. Quando você me viu eu apenas sorri e disse: Felicidades! E sai andando me segurando para não chorar ouvindo ela e você chamarem o meu nome!
Toda a força que eu havia reunido para ir até o novo endereço e dizer adeus já havia sido completamente destruída, chorei durante quase todo o caminho e resolvi andar, refazer os nossos passos. Viver só mais uma vez a nossa rotina. Caminhei pelo parque onde nos conhecemos, fui até a sorveteria olhar a mesa que sempre ocupávamos, a livraria onde passávamos horas escolhendo a próxima aventura que iriamos ler, a praça principal onde você me beijou pela primeira vez e com os olhos embaçados de tantas lágrimas eu não enxerguei mais nada ao ser a bicicleta que veio ao meu encontro e me derrubou. Ótimo, não precisava de mais nada! Ser atropelada por uma bicicleta!!
Levantei pronta para descontar toda a minha raiva e frustração no dono da mesma e quando olhei para ele com cara de preocupado eu esqueci do que iria dizer. Me perdi completamente em seus olhos azuis grandes arregalados de preocupação perguntando se eu estava bem.
E foi assim que eu ganhei um novo você! Foi assim que eu entendi que as pessoas não são nossas para sempre e que justamente por isso nós devemos aproveita-las enquanto estão em nossos caminhos, foi dessa maneira que eu perdi uma amiga e um amor, para ganhar uma família e um amor novo. Agora esse amor não é tão novo assim, já fazem décadas que nos conhecemos, anos que nos casamos e que contamos essa historia aos nossos filhos e eu insisto a dizer que todo esse sentimento para mim é novo a cada dia e que eu jamais me cansarei dessa minha rotina de ama-lo todos os dias.